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Pensar a História: ensaio para intervenções dos EUA na América Latina - 70 anos do golpe da Guatemala

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Há 70 anos, em 18 de junho de 1954, tinha início a invasão da Guatemala por milícias armadas e financiadas pela CIA. A campanha, intitulada "Operação

Pensar a História: ensaio para intervenções dos EUA na América Latina - 70 anos do golpe da Guatemala

Há 70 anos, em 18 de junho de 1954, tinha início a invasão da Guatemala por milícias armadas e financiadas pela CIA. A campanha, intitulada “Operação PBSuccess”, resultou no fim da Revolução Guatemalteca e na instalação da brutal ditadura militar de Carlos Castillo Armas, jogando o país em uma guerra civil que se estendeu por quase quatro décadas.

O episódio também marcou o início de uma longa tradição de golpes militares perpetrados pelos Estados Unidos na América Latina.

Dominada por uma sequência de governos autoritários a serviço das oligarquias latifundiárias desde a sua independência, a Guatemala assistiu ao incremento da desigualdade social e concentração de terras ao longo do século 19. Visando consolidar as monoculturas agroexportadoras, o governo guatemalteco criou uma política de desapropriação das terras comunais da população indígena, repassando-as para o controle dos latifundiários. Esse processo se agravou ainda mais sob os governos de Manuel Estrada Cabrera e Jorge Ubico, marcados pela subordinação absoluta aos interesses estrangeiros e pela integração da Guatemala aos domínios do chamado “Império das Bananas”, administrado pela multinacional norte-americana United Fruit Company.

Cabrera concedeu à United Fruit o monopólio de comércio de bananas na Guatemala, ajudando a empresa a se tornar a maior exportadora de bananas do mundo. Seu sucessor, o ditador Jorge Ubico, foi além: obrigou os sem terra a se submeterem ao trabalho compulsório nas lavouras, concedeu aos latifundiários o direito de vida e morte sobre seus trabalhadores, reprimiu brutalmente os camponeses e indígenas, repassou 200 mil hectares de terras públicas à United Fruit e isentou as multinacionais norte-americanas do pagamento de impostos.

A United Fruit beneficiou-se enormemente dessa conjuntura, tornando-se a maior proprietária de terras da Guatemala, concentrando 50% da área cultivável do país. A empresa também controlava a maior parte das ferrovias, dos portos e sistemas de comunicação do país e tinha influência preponderante em sua política econômica.

Alijado das políticas públicas, o povo guatemalteca começou a demonstrar sua insatisfação organizando uma série de protestos. O descontentamento popular atingiu seu ápice em outubro de 1944, quando um grande levante de trabalhadores, estudantes e militares progressistas derrubaram a ditadura de Jorge Ubico, dando início à Revolução Guatemalteca e aos chamados “Dez Anos de Primavera” — o período entre 1944 e 1954, marcado por amplas reformas e conquistas sociais.

Eleito diretamente pelo voto popular, Juan José Arévalo criou uma bem sucedida campanha de alfabetização, ampliou os investimentos em educação e saúde, fundou fazendas estatais para empregar os sem terra, legalizou o direito de greve e instituiu uma abrangente legislação trabalhista.

Em 1951, Jacobo Árbenz Guzmán, ministro da Defesa de Arévalo, foi eleito com uma votação esmagadora. Seu governo ampliou o ritmo das reformas, quadruplicou o número de estudantes na rede pública de ensino e investiu em obras de infraestrutura, construindo portos, rodovias e hidrelétricas. Árbenz também criou programas de transferência de renda e promoveu uma ampla reforma política, estabelecendo o pleito direto para a prefeitura da Cidade da Guatemala e legalizando o Partido Guatemalteco do Trabalho (PGT), uma agremiação comunista.

Por fim, o mandatário instituiu um ambicioso projeto de reforma agrária, visando combater a concentração fundiária e limitar o poder da United Fruit, vista como principal obstáculo para o desenvolvimento do país. O decreto determinava a desapropriação e redistribuição dos latifúndios improdutivos com mais de 272 hectares.

A reforma agrária instituída por Árbenz beneficiou mais de 500 mil indivíduos e resultou na melhoria significativa do padrão de vida dos trabalhadores do campo e no aumento expressivo da produtividade. Não obstante, as mudanças desagradaram profundamente as corporações estrangeiras e os interesses da Casa Branca. A United Fruit iniciou o lobby em favor da mudança do regime guatemalteco junto ao Congresso dos Estados Unidos, acusando Árbenz de “práticas comunistas”.

Em 1952, o presidente Harry Truman autorizou a CIA a conduzir a Operação PBFortune, articulada em conjunto com a United Fruit e os ditadores da Nicarágua, República Dominicana e Venezuela (Anastasio Somoza García, Rafael Leonidas Trujillo e Marcos Pérez Jiménez, respectivamente). A operação previa apoio financeiro e fornecimento de armas para derrubar o governo guatemalteco, mas foi abortada após o vazamento de informações delicadas.

Os planos para derrubar Árbenz foram retomados no governo de Dwight Eisenhower. Além de encampar integralmente o discurso macarthista e a histeria anticomunista da Guerra Fria, Eisenhower possuía diversos nomes ligados à United Fruit em seu gabinete, incluindo os irmãos John Foster e Allen Dulles (secretário de Estado e diretor da CIA) e o subsecretário Walter Bedell Smith.

Em agosto de 1953, a CIA iniciou a Operação PBSuccess, recrutando dezenas de exilados e opositores de Árbenz para articular a derrubada do governo guatemalteco. Enquanto John Peurifoy, embaixador dos Estados Unidos na Guatemala, congregava internamente os conspiradores e incitava campanhas de desestabilização, a agência de inteligência dos EUA financiava, armava e treinava os mercenários postos à disposição do coronel Carlos Castillo Armas, oficial do Exército da Guatemala que Washington escolhera como ponta de lança da operação.

Visando isolar diplomaticamente a Guatemala, os Estados Unidos estabeleceram uma série de embargos e iniciaram uma ofensiva na Organização dos Estados Americanos (OEA), cooptando o apoio de diversos governos do continente. Em maio de 1954, Washington determinou o bloqueio naval da Guatemala, impedindo a entrada e saída de embarcações, ao mesmo tempo em que era deflagrada uma operação de guerra psicológica, visando intimidar os militares legalistas e incitar a sublevação contra Árbenz.

Em 18 de junho de 1954, quatro colunas de mercenários comandados por Castillo Armas iniciaram a invasão da Guatemala. Os golpistas tomaram as docas de Puerto Barrios e ocuparam postos militares estratégicos nas cidades de Esquipulas, Jutiapa e Zacapa.

Aviões de guerra fornecidos pela Força Aérea dos Estados Unidos bombardearam a Cidade da Guatemala e Puerto San José, atemorizando a população civil, ao mesmo tempo em que cargueiros com suprimentos e armazéns do governo guatemalteco eram atacados com bombas incendiárias e napalm. Os golpistas também explodiram os trilhos ferroviários e cortaram as linhas telegráficas do país.

Receoso com a possibilidade de invasão pelas tropas norte-americanas, o Exército da Guatemala abandonou a defesa do governo e rejeitou o plano de Árbenz de armar a população civil para resistir ao golpe. Desprovido de alternativas, Árbenz foi forçado a renunciar à Presidência em 27 de junho de 1954, exilando-se em seguida no México.

Castillo Armas autoproclamou-se presidente da Guatemala, sendo imediatamente reconhecido pelos Estados Unidos.

Logo após chegar ao poder, Castillo Armas revogou a Constituição de 1945 e estabeleceu uma ditadura brutal, banindo os sindicatos, partidos políticos e movimentos sociais. Milhares de opositores foram presos em campos de concentração e as conquistas da Revolução Guatemalteca foram revertidas uma a uma. O golpe de 1954 mergulhou o país um uma guerra civil que se prolongou por 36 anos, causando a morte e o desaparecimento de mais de 200 mil cidadãos guatemaltecos, o extermínio de comunidades indígenas inteiras e o agravamento da concentração de renda e dos problemas sociais do país.

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